Um pedido de destaque do ministro Luiz Edson Fachin interrompeu, nesta quarta-feira (1º/10), o julgamento em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal discute se empresas do setor de transporte e escolta de valores precisam considerar todos os seus empregados no cálculo das cotas para jovens aprendizes e para pessoas com deficiência (PcD). Com isso, a análise será reiniciada em sessão presencial, ainda sem data marcada.

Antes da interrupção, dois ministros haviam votado. Para o relator, Gilmar Mendes, o cálculo dessas duas cotas não deve levar em conta os empregados que exercem as “atividades finalísticas” dessas empresas (ou seja, o transporte e a escolta de valores em si). Já Flávio Dino votou por excluir tais trabalhadores somente do cálculo da cota de aprendizagem.

A cota para jovens aprendizes está prevista na CLT. Já as cotas PcD estão previstas na Lei 8.213/1991. Na ação, a Associação Brasileira das Empresas de Transporte de Valores (ABTV) contestou a inclusão dos vigilantes armados na contagem de empregados para o cálculo dessas cotas.

De acordo com a ABTV, as empresas do ramo têm dificuldade de cumprir as cotas PcD e de aprendiz, já que a vigilância armada no transporte de valores tem “natureza singular”, é de alto risco e traz exigências físicas e mentais “elevadas” aos profissionais.

 

A associação alega que a atividade é incompatível com a legislação, pois não pode ser adaptada para que jovens aprendizes ou PcD possam desempenhá-la.

Voto do relator

Gilmar concordou que a aplicação  “irrestrita e irrefletida” das leis em questão às empresas de transporte de valores poder gerar “resultados inconstitucionais”.

Ele lembrou que a Constituição proíbe o trabalho de menores de 18 anos em ambientes perigosos, o que é o caso da escolta armada. Ou seja, tais empresas não podem contratar jovens aprendizes que ainda não atingiram a maioridade.

Aqueles entre 18 e 21 anos também estão fora de questão, pois a idade mínima para iniciar o curso de formação da atividade de vigilante é de 21 anos.

Além disso, a atividade exige porte de armas de fogo. Isso só é permitido para maiores de 25 anos. Ou seja, também há um impedimento para aprendizes até essa idade, o que esgota as possibilidades.

“No caso das empresas de escolta armada e transporte de valores, a atividade-fim não comporta desdobramento formativo adequado ao público aprendiz, uma vez que sua natureza exige habilidades, competências e maturidade que ultrapassam os limites de desenvolvimento físico e psicológico esperados de jovens em formação”, disse Gilmar.

“Há uma manifesta discrepância normativa e operacional entre o regime jurídico da aprendizagem e os requisitos técnicos, legais e profissionais exigidos para o exercício da atividade-fim em empresas de transporte e escolta de valores, desde a carga horária até a necessidade de realização de testes de aptidão física e psicológica, tornando impraticável, sob qualquer perspectiva jurídica, a atuação do aprendiz nessas funções”, completou.

Da mesma forma, o magistrado constatou uma série de fatores que inviabilizam a atuação de PcD na escolta de valores. Na sua visão, a atividade-fim desenvolvida por empresas do ramo “envolve um conjunto de exigências práticas e operacionais que, por sua própria natureza, se mostram objetivamente incompatíveis com o pleno exercício por pessoas com deficiência”.

O relator ressaltou que a função de vigilante armado é de alto risco, imprevisível, exercida em ambientes externos e com alto grau de exposição a situações de violência. Assim, os profissionais precisam ter, no cotidiano, “a capacidade de reagir com rapidez, precisão e pleno domínio físico e sensorial”.

Adversidades críticas

O ministro explicou que os vigilantes podem ter de enfrentar adversidades “críticas”, como tentativa de assalto, emboscada, fuga, contenção etc. Isso exige aptidão para correr, proteger-se, operar equipamentos de segurança, manejar armas letais, tomar decisões em frações de segundo, abrir portas blindadas de maneira rápida, mudar a posição tática etc.

Ou seja, é necessário resistência física, agilidade, mobilidade plena, equilíbrio postural, comunicação eficaz (tanto verbal quanto gestual) e capacidade de “monitorar múltiplos estímulos visuais e auditivos simultaneamente, inclusive em ambientes ruidosos e imprevisíveis”.

Ele acrescentou que esses trabalhadores usam armas de fogo, munições, coletes balísticos e rádios comunicadores, o que exige uma carga física adicional. Também não é incomum que a escolta aconteça em áreas com obstáculos ao deslocamento rápido — isto é, locais com baixa acessibilidade.

Gilmar observou que, para cumprir as cotas calculadas com base no número total de empregados (incluindo os vigilantes armados), essas empresas são obrigadas a contratar um número de PcD e aprendizes “que não podem ser alocados em postos condizentes com suas condições”.

Por isso, acabam preenchendo todas as suas vagas administrativas com PcD ou jovens aprendizes, ou até mesmo criando vagas sem qualquer “necessidade operacional”, apenas para cumprir a legislação.

“Essa realocação forçada de mão de obra não contribui nem para a qualificação efetiva dos jovens aprendizes, nem para a plena inclusão profissional das pessoas com deficiência, que acabam alocadas em posições meramente formais, sem perspectiva de progressão funcional”, concluiu.

Divergência

Dino concordou com o relator com relação à cota de aprendiz, mas votou por manter o cálculo das cotas PcD nos moldes atuais.

Segundo Dino, as empresas de transporte de valores, em geral, são grandes e têm diversas outras tarefas, inclusive de apoio administrativo.

Para ele, é “plenamente possível” que pessoas com deficiência atuem até mesmo na atividade-fim dessas empresas — em funções de monitoramento, supervisão, entre outras.

“A deficiência não é, por si só, condição que impede, de forma abstrata, o desempenho de um trabalho, ofício ou profissão”, afirmou. Para ele, mudar o cálculo dessas cotas seria discriminação baseada na deficiência.

Pedido da autora

A ABTV pede que a função de vigilância armada em carros-fortes seja retirada da base de cálculo das cotas para PCDs e jovens aprendizes. Para a entidade, a aplicação das cotas nessas funções fere a proteção integral de jovens e coloca em risco a integridade física de pessoas com deficiência. A associação apresentou relatórios da Associação Brasileira de Cursos de Formação de Vigilantes (ABCFAV) que indicam a inexistência de PCDs formados para atuar em carros-fortes, além da inviabilidade legal e prática de aprendizes no setor. A ABTV é representada na ação pelos advogados Plauto CardosoGáudio de Paula e Luciano Fuck.

A presidente-executiva da ABTV, Daniele Azevedo de Souza Capobiango, enfatizou a urgência de uma definição rápida. “Não podemos manter empresas e trabalhadores em insegurança jurídica diante de uma atividade que envolve risco elevado e regras muito específicas. O setor precisa de uma solução clara e definitiva.”

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ADI 7.693

https://www.conjur.com.br/2025-out-02/stf-vai-reiniciar-analise-de-calculo-de-cotas-pcd-e-de-aprendiz-no-transporte-de-valores/