Levantamento "A Distância Que Nos Une", da Oxfam Brasil, ilustra a situação de desigualdade social no Brasil
Rio de Janeiro – Alessandra dos Santos tem 37 anos, dois filhos, e ganha um salário mínimo trabalhando como auxiliar de professora em uma escola.
Com esse salário, Alessandra precisaria trabalhar por 19 anos seguidos para receber o mesmo que o 0,1 por cento mais rico da população brasileira ganha em um mês, segundo estudo “A Distância Que Nos Une”, da Oxfam Brasil, divulgado nesta segunda-feira.
O levantamento ilustra a situação de desigualdade social no Brasil, considerado o 3º país mais desigual da América Latina, somente atrás da Colômbia e Honduras, e o 10º mais desigual do mundo, pelo último relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Os dados levam em conta o Índice de Gini.
Esses números retratam uma realidade que distancia parte da população de serviços básicos, como oferta de água ou de médicos, aumenta as taxas de mortalidade infantil e diminui a expectativa de vida ao nascer de muitos brasileiros, demonstrou o estudo.
O valor do salário mínimo também é um aspecto da desigualdade social no Brasil. Com uma filha na escola, e um bebê recém-nascido, o valor mensal de 937 reais não é suficiente para cobrir as despesas da casa de Alessandra.
“Não dá praticamente para nada”, diz a auxiliar de professora de uma escola de Niterói (RJ).
Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil, explica que o valor ainda está distante “do que seria um salário mínimo ideal, mais inclusivo e que realmente enfrentasse as desigualdades que a gente tem hoje” no Brasil.
“O que nos choca muito, na verdade, é que o Brasil é um país desigual com potencial para não ser desigual. É um país rico, é um país que tem as condições de enfrentar e reduzir a desigualdade extrema que nós temos”, diz Katia em entrevista à Reuters, destacando que nos últimos 15 anos, 28 milhões de brasileiros saíram debaixo da linha da pobreza.
O estudo demonstra, entretanto, que esse progresso foi interrompido, o que Katia associou à crise econômica e política que tem abalado o país nos últimos anos, agravada pela agenda de reformas do governo atual, segundo ela, como a trabalhista e da Previdência, e por uma política de corte de gastos sociais.
“Você tem uma reforma trabalhista que retira direitos importantíssimos para o trabalhador, ou seja, em um momento de crise econômica… você desprotege totalmente o trabalhador brasileiro na sua negociação com o empregador”, diz Katia, que também acusou a reforma da Previdência de penalizar apenas os mais pobres e a classe média.
Sancionada pelo presidente Michel Temer em julho, a reforma trabalhista prevê, por exemplo, que acordos entre empregados e patrões se sobreponham à legislação vigente, busca diminuir a intervenção da Justiça trabalhista nas negociações entre as partes e permite o trabalho intermitente. A reforma da Previdência ainda tramita pela Câmara dos Deputados.
O governo defende que a reforma trabalhista vai modernizar as relações de trabalho e, portanto, acelerar a criação de empregos e justifica a reforma da Previdência como necessária para o ajuste das contas públicas.
Para reverter o quadro de desigualdade, a Oxfam Brasil propõe alterações no que chama de “sistema tributário amigo dos super-ricos”, que onera principalmente os mais pobres e a classe média, maiores gastos sociais e maior formalização no mercado de trabalho.
“As desigualdades, elas não são inevitáveis. Elas são escolhas políticas”, afirma Katia.