Em um cenário onde a saúde deveria ser prioridade, uma realidade preocupante se desenha no Brasil: enquanto milhões de brasileiros enfrentam dificuldades para manter seus planos de saúde devido a reajustes abusivos, as operadoras registram lucros bilionários.

Segundo dados da ANS, os planos de saúde obtiveram lucro líquido recorde de R$ 12,9 bilhões nos primeiros seis meses de 2025, representando um aumento de 131,94% em comparação com o mesmo período do ano anterior.1

O  problema, na realidade, é sistêmico e afeta tanto beneficiários de planos coletivos por adesão quanto usuários dos chamados "falsos coletivos".

O drama dos planos coletivos por adesão

Os contratos coletivos por adesão, teoricamente destinados a grupos organizados como sindicatos, entidades e associações, têm se tornado palco de aumentos desproporcionais. Um caso emblemático do escritório mostra uma aposentada de 82 anos cuja mensalidade saltou para absurdos R$ 29.032,97 para apenas duas vidas, representando uma variação acumulada de 558,13% contra apenas 87,77% dos índices da ANS para o mesmo período.

Em 2024, foi aplicado um reajuste de 45%, que cumulado retroativamente atingiu 90% anual. Isso não é reequilíbrio contratual, é expulsão velada do idoso do sistema de saúde.

A média de mercado para reajustes anuais de planos coletivos, conforme painel da ANS, não ultrapassa 11%, tornando evidente a abusividade dos percentuais aplicados por algumas operadoras.

A questão dos "falsos coletivos"

Ainda mais grave é a situação dos falsos coletivos - contratos vendidos como empresariais mas que atendem apenas núcleos familiares.

Segundo informações apuradas pelo jornal O Globo2, as operadoras deixaram de comercializar planos individuais há quase duas décadas, forçando consumidores a contratar através de CNPJs apenas para ter acesso a um plano de saúde.

Em um dos casos relatados, uma família de três pessoas viu sua mensalidade atingir R$ 18.256,46, quando deveria custar R$ 9.831,36 se aplicados os índices da ANS. A diferença representa uma sobrecarga de quase cinco vezes mais que o legalmente devido.

Lucros bilionários contrastam com negativas de cobertura

Os números da ANS revelam uma realidade contraditória: enquanto beneficiários lutam para manter seus planos devido aos reajustes abusivos, o setor projeta lucros que podem atingir R$ 28,4 bilhões em 2025, um aumento de 155% comparado ao ano anterior.

Não é aceitável que um setor que deveria zelar pela saúde da população se enriqueça através de práticas abusivas.

O próprio Tribunal de Contas da União já identificou falhas da ANS na identificação e correção de reajustes abusivos.

Marco jurídico favorável aos consumidores

O cenário legal é claro quanto aos direitos dos beneficiários. O STJ possui entendimento pacificado de que contratos com número diminuto de participantes devem ser equiparados a planos familiares, aplicando-se os índices da ANS.

Conforme jurisprudência consolidada: "é possível, excepcionalmente, que o contrato de plano de saúde coletivo ou empresarial, que possua número diminuto de participantes, seja tratado como plano individual ou familiar" (AgInt no REsp 1.880.442/SP).

Para os planos coletivos por adesão, embora não limitados pelos índices da ANS, a operadora tem o ônus de demonstrar através de cálculos atuariais a necessidade dos reajustes aplicados, conforme determina a RN 509/22.

Transparência como Direito Fundamental

A legislação é expressa quanto ao dever de transparência. As operadoras devem disponibilizar extratos pormenorizados contendo:

Critério técnico adotado para o reajuste;
Demonstração da memória de cálculo;
Período de observação utilizado;
Metodologia e dados utilizados no cálculo.
Na prática, as operadoras aplicam percentuais arbitrários sem qualquer justificativa técnica, transferindo aos consumidores riscos que deveriam ser suportados pela empresa.

Litigância predatória e vulnerabilidade do consumidor

O ministro Herman Benjamin, do STJ, alertou recentemente sobre a "litigância predatória reversa" praticada por grandes empresas que se recusam sistematicamente a cumprir decisões judiciais e textos expressos de lei. Este comportamento é particularmente grave no setor de saúde suplementar.

Com a virtual extinção dos planos individuais, consumidores ficam reféns de um sistema que os força a aceitar reajustes abusivos ou perder a cobertura de saúde, especialmente grave para idosos que dependem de tratamentos contínuos.

Conclusão

O contraste entre os lucros bilionários do setor e o sofrimento de milhões de brasileiros expostos a reajustes abusivos revela uma distorção que clama por correção urgente. A saúde não pode ser tratada como commodity sujeita à ganância desenfreada.

Como bem pontuou o Tribunal de Contas da União, "as falhas regulatórias expõem os consumidores a riscos de sofrerem aumentos abusivos de preços, atingindo de forma mais dramática a população idosa".

A luta por reajustes justos não é apenas uma questão jurídica, mas um imperativo de justiça social que não pode mais ser ignorado.

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1 https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/numeros-do-setor/ans-divulga-dados-economico-financeiros-do-1deg-semestre-de-2025

2 https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/plano-de-saude-individual-mais-raro-caro-15848792

Epa! Vimos que você copiou o texto. Sem problemas, desde que cite o link: https://www.migalhas.com.br/depeso/439494/planos-de-saude-lucram-bilhoes-com-reajustes-abusivos-e-resistem-a-lei