Nos últimos anos, os termos “Novo Cangaço” e “Domínio de Cidades” vêm sendo empregados quase indiscriminadamente pela mídia para denominar explosões de unidades bancárias cometidas em eventos criminais de grande porte em cidades de médio e grande porte.
Diferenciando os fenômenos
Na seara da segurança pública e criminologia, estas ações criminosas geram intenso debate entre especialistas atrás de definições mais precisas.
Sem entrar nos pormenores do debate, duas definições básicas podem ser utilizadas para diferenciar as modalidades criminosas:
O Novo Cangaço envolve crimes praticados em cidades interioranas por bandos de laços duradouros que têm como objetivo a subtração de bens para sustento da própria organização criminosa. Possui raízes em formas mais antigas de banditismo regional, especialmente no Nordeste.
O Domínio de Cidades é uma evolução do Novo Cangaço ocorrida na última década. É uma modalidade criminosa que não possui precedentes no resto do mundo. É cometido por grupos mais numerosos, interestaduais, vinculados oportunisticamente e divididos em tarefas específicas que subjugam a ação do poder público, seja em roubos contra instituições financeiras ou em operações de resgate de detentos de estabelecimentos prisionais.
Graves consequências
Apesar de suas distinções, os fatos concretos que podem resultar dessas modalidades criminais não podem ser ignorados:
- Grande prejuízo financeiro contra suas vítimas
- Uso de armamento pesado e explosivos
- Alta violência contra o patrimônio, reféns e forças de segurança
- Domínio territorial temporário
- Bloqueios de vias
Essas ações são perpetradas por redes criminosas altamente especializadas, mediante emprego de técnicas específicas, divisão de tarefas, hierarquia, vasto planejamento e alta coordenação.
Toda esta complexidade desafia a segurança e a paz social em todo o território nacional e demanda soluções integradas de inteligência, policiamento e treinamento especializado.
Risco monitorável
Em nossos monitoramentos detectamos um padrão importante. Estas ações demandam criminosos profissionais empregados em tarefas específicas cuja experiência foi adquirida durante anos de atividade criminosa. Por isto, é comum que os membros dessas organizações possuam histórico criminal detectável em fontes abertas, seja em prisões em flagrante, inquéritos policiais ou condenações na justiça estadual e federal.
Através de fontes abertas de origem investigativa e jurídica é possível mapear os especialistas que participaram em crimes contra o patrimônio e que têm maior chance de ser empregados futuramente em ações que demandam suas especialidades.
Ao monitorar entidades como estas é possível que a iniciativa privada evite vínculos societários e profissionais com estes agentes, evitando infiltração, cooptação de seus funcionários e vazamento de informações estratégicas.
Evolução legislativa e os possíveis efeito no monitoramento de riscos
A maior frequência destas ações, o crescente prejuízo causado por elas e o aumento da pressão social motivou duas propostas legislativas no Congresso Nacional: o PL 5365/20 e o PL 610/22.
PL 5365/20
O PL 5365/20, atualmente em tramitação no Senado Federal, pretende adicionar dois artigos ao Código Penal, tipificando os crimes de Domínio de Cidades e Intimidação Violenta:
Domínio de cidades - Art. 157-A. Realizar bloqueio total ou parcial de quaisquer vias de tráfego, terrestre ou aquaviário, bem como de estruturas físicas das forças de segurança pública, para evitar e/ou retardar a aproximação do poder público, com emprego de armas de fogo e/ou equipamentos de uso das forças de segurança pública, com finalidade de praticar crimes. Pena - reclusão, de 15 (quinze) a 30 (trinta) anos.
Intimidação violenta - Art. 288-B. Realizar ou promover ato de incêndio, depredação, saque, destruição ou explosão contra bens públicos ou privados, de acesso ou destinados aos serviços públicos, de forma a impedir ou a embaraçar a atuação do poder público destinada à prevenção ou repressão de crimes, à realização da execução penal ou à administração do sistema penitenciário. Pena - reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos.
O projeto também adiciona o crime de “domínio de cidades” ao rol de crimes hediondos.
Uma resposta direta aos mega-assaltos que aterrorizaram o país nos últimos anos, como os ataques em Araraquara (SP), Varginha (MG) e Criciúma (SC) nos anos de 2020 e 2021, o projeto visa dissuadir novas operações por meio de punições mais severas. A pena-base mínima de 15 anos para o crime de Domínio de Cidades evidencia sua gravidade em relação às imputações usuais para roubos majorados.
Benefícios diretos para a inteligência e para a persecução penal
Distinguir entre criminosos de alta periculosidade e criminosos comuns dentro do mesmo tipo penal é um desafio constante no monitoramento de antecedentes criminais e da atividade criminosa organizada.
Por exemplo, o roubo majorado pode variar significativamente, abrangendo desde o roubo de veículos à mão armada até assaltos a agências bancárias com uso de explosivos e armamento pesado. Isto também está refletido na falta de resolução nos assuntos empregados pelo Conselho Nacional de Justiça na classificação de processos penais em todos os tribunais do Brasil.
Em nosso acervo sobre o tema frequentemente recorremos a análises textuais das vastas peças processuais ou consultas adicionais em fontes abertas, especialmente mídia negativa, para contextualizar e diferenciar casos de alto impacto de casos - infelizmente - mais comuns.
O PL 5365/20, que visa aumentar a precisão na classificação dos tipos penais, facilitaria a identificação da gravidade dos casos à primeira vista. Isso aprimoraria a produção de inteligência a partir de fontes abertas, como também auxiliaria na persecução de crimes, por exemplo, em mandados de prisão e processos de execução penal, ao destacar a periculosidade do criminoso em questão.
PL 610/22
Já o PL 610/22 altera a Lei Antiterrorismo 13.260/2016:
Art. 2º, § 1º, VI – roubar dinheiro ou valor, para si ou para outrem, mediante domínio territorial, ainda que momentâneo, para assegurar a consumação do crime ou a fuga dos integrantes da organização.
A nova redação amplia o escopo das condutas consideradas como terroristas para incluir os crimes característicos de grupos do Novo Cangaço e da estratégia de Domínio de Cidades. Para os relatores e juristas envolvidos, isso se justificaria pelo impacto social devastador e sistêmico que esse tipo de ação provoca - desmoralização e insegurança gerada na população e entre os agentes de segurança, indo muito além dos danos materiais causados pelos crimes contra o patrimônio subjacentes.
Consequências possíveis para o combate ao Financiamento ao Terrorismo
A aprovação desse projeto poderá resultar em mudanças significativas nos departamentos de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Combate ao Financiamento do Terrorismo (PLDFT) de todos os setores com exigências de reportar atividades financeiras suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
O monitoramento de envolvidos e suspeitos de envolvimento de terrorismo é fundamentalmente baseado no acompanhamento de listas restritivas, sanções internacionais e processos penais baseados na Lei Antiterrorismo. A eventual aprovação deste projeto de lei acarretará no acréscimo exponencial no número de cidadãos brasileiros a serem monitorados e restringidos em relações comerciais.
Uma resposta à altura
Em face desse panorama, antes mesmo de adequação às exigências legais futuras, é importante que todos os setores afetados invistam em soluções de segurança robustas para mitigar os riscos crescentes associados ao Novo Cangaço e ao Domínio de Cidades.
Nós utilizamos dados abertos para oferecer soluções inovadoras contra essas modalidades do crime organizado. Com dados proprietários, análises de redes de relacionamentos de criminosos e relatórios de inteligência enxutos, habilitamos empresas a prevenir riscos gerados pelo crime organizado.
Fonte: Hexcov-Infraestrutura e análise de dados - linkedin