A geolocalização do celular, que mostra onde o usuário estava em determinado horário, poderá ser usada para comprovar se o trabalhador tem direito a horas extras. Este entendimento é da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho, que cassou liminar que impedia que o Banco Santander utilizasse prova digital de geolocalização para comprovar jornada de um bancário de Estância Velha (RS).
Segundo o colegiado, a prova é adequada, necessária e proporcional e não viola o sigilo telemático e de comunicações garantido na Constituição Federal.
A ação trabalhista foi ajuizada em 2019 e o bancário — que trabalhou 33 anos na instituição — pedia o pagamento de horas extras.
Ao se defender, o banco disse que o empregado ocupava cargo de gerência e, portanto, não estava sujeito ao controle de jornada. Por isso, pediu ao juízo da 39ª Vara do Trabalho de Estância Velha, a produção de provas de sua geolocalização nos horários em que ele indicava estar fazendo horas extras, para comprovar “se de fato estava ao menos nas dependências da empresa”.
O trabalhador protestou, mas o pedido foi deferido. O juízo de primeiro grau determinou que ele informasse o número de seu telefone e a identificação do aparelho (IMEI) para oficiar as operadoras de telefonia e, caso não o fizesse, seria aplicada a pena de confissão (quando, na ausência da manifestação de uma das partes, as alegações da outra são tomadas como verdadeiras).
O bancário recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), contra a determinação, alegando violação do seu direito à privacidade, “porque não houve ressalva de horários, finais de semana ou feriados”. Na avaliação do trabalhador, o banco tinha outros meios de provar sua jornada, sem constranger sua intimidade.
O Santander, por sua vez, sustentou que a geolocalização se restringiria ao horário em que o empregado afirmou que estaria prestando serviços. Portanto, não haveria violação à intimidade, pois não se busca o conteúdo de diálogos e textos. O TRT cassou a decisão, levando o banco a recorrer ao TST.
No Tribunal Superior do Trabalho, o ministro Amaury Rodrigues, relator do recurso, considerou a geolocalização do aparelho celular adequada como prova, porque permite saber onde estava o trabalhador durante o alegado cumprimento da jornada de trabalho por meio do monitoramento de antenas de rádio-base. A medida é proporcional, por ser feita com o menor sacrifício possível ao direito à intimidade.
O ministro lembrou que a diligência coincide exatamente com o local onde o próprio trabalhador afirmou estar e só se poderia cogitar em violação da intimidade se as alegações não forem verdadeiras. Quanto à legalidade da prova, o relator destacou que não há violação de comunicação, mas de geolocalização. “Não foram ouvidas gravações nem conversas”, ressaltou. O processo corre em segredo de Justiça.
O que dizem os especialistas?
“A utilização dessa importante ferramenta de provas veio em boa hora, até porque, em determinados casos na Justiça de trabalho, a inversão do ônus da prova é circunstancialmente desfavorável para aquele que tem o ônus de provar que o empregado estava realmente trabalhando, como no caso de trabalho externo”, avalia o advogado Mozar Carvalho, da Carvalho de Machado Advocacia.
Para ele, na questão da privacidade com a possível quebra de sigilo dos trabalhadores, pontos mais sensíveis do caso, o TST agiu corretamente, pois limitou a geolocalização aos dias e aos horários de trabalho específicos alegados pelo empregado, perfazendo-a como justa, já que se o empregado diz que estava trabalhando, não há o que se exigir de sigilo na localização, no horário em que diz estar à disposição da empresa.
A advogada Caroline Garcia, sócia da área trabalhista do Arbach & Farhat Advogados, comenta que, apesar do direito admitir como meios de prova a ata notarial, o depoimento pessoal, a confissão, a prova documental, a prova testemunhal, a prova pericial e a inspeção judicial, a tecnologia tem ajudado a Justiça a buscar a verdade também por outros meios de provas tidos como legais.
“Veja que não há falar-se em violação do direito à privacidade, visto que a Justiça em si somente buscará a verdade real dos fatos para que nenhuma das partes experimentem prejuízos. Neste caso, a geolocalização servirá para buscar horários em que o funcionário mencionou que estaria à disposição da empresa através de seus serviços, não havendo nenhum outro tipo de busca em fotos, textos e/ou mensagens, tais provas girarão somente em torno da ferramenta que permite a localização, não violando a intimidade da parte”, diz.
Para o advogado Sergio Pelcerman, sócio da área trabalhista do escritório Almeida Prado & Hoffmann, a produção de provas é a maneira que o juízo tem para emitir uma decisão justa. “A obtenção de outra modalidade de prova é extremamente positiva a todos, na medida em que buscará atingir verdade real, base da Justiça do Trabalho e assim, quanto maiores as possibilidades de alcançar a Justiça, mais eficaz é a forma de evitar inverdades em reclamações trabalhistas”, finaliza.
Fonte: infomoney