Retratada em filmes como Pureza, com Dira Paes, o trabalho análogo à escravidão, infelizmente, está longe de ser uma ficção no Brasil. O próprio filme foi baseado numa história real. Último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888, o Brasil contabilizou, de 1995 a 2023, 63.516 pessoas encontradas nessa situação, segundo o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.

Em 2023, o Brasil registrou o maior número de denúncias desde que o Disque 100 foi criado, em 2011. Foram 3.430 denúncias em 12 meses – 64,6% a mais que em 2022.

O aumento, no entanto, é visto pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania como um bom sinal, “um reflexo positivo do trabalho realizado pela nova gestão da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos e das ações de ampla divulgação dos serviços do Disque 100”.

Em entrevista à coluna, Antonio Carlos de Mello Rosa, um dos maiores especialistas brasileiros no assunto, também vê como positivo o crescimento das denúncias. O especialista, que já coordenou essa área na Organização Internacional do Trabalho (OIT), acredita que o tema, finalmente, tem saído da invisibilidade.

Segundo ele, há quatro componentes que, em conjunto ou isoladamente, caracterizam esse tipo de crime: trabalho forçado, em situação degradante, jornadas exaustivas e restrição de liberdade.

O conceito de trabalho forçado, contra a vontade, está muito atrelado à restrição de liberdade. Seja porque tiraram seus documentos, seja porque tem uma dívida, a pessoa, nessa situação, perde a liberdade de ir e vir e é forçada a trabalhar.

Para Antonio Rosa, é na condição de trabalho degradante, no entanto, que está “o grande núcleo duro” do trabalho análogo à escravidão hoje no Brasil. “Já foram encontrados trabalhadores dormindo com porcos ou com agrotóxicos, trabalhadores em alojamentos cheio de frestas, por onde entram cobras e aranhas, além do vento”, diz ele, relatando ainda que há casos em que falta comida ou mesmo água potável.

Jornada exaustiva, que ultrapassa a previsão legal de trabalho diário, também é outro componente da chamada popularmente escravidão contemporânea. Emocionado, Antonio lembra a história de um jovem resgatado de uma fazenda, que presenciou a morte de um de seus melhores amigos. “O colega, que estava trabalhando na cana-deaçúcar, ao seu lado, de repente, caiu morto. Ele trabalhava de sol a sol, numa condição degradante. Teve um problema de coração e morreu na frente desse jovem. Ele contava isso chorando”, recorda o especialista.

QUEM SÃO OS TRABALHADORES NESSA SITUAÇÃO E ONDE ELES ESTÃO?

O ENFRENTAMENTO AO TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO

Leia a matéria na íntegra